De repente imagino você lá em baixo trabalhando numa pesquisa que provavelmente me faria um nó na mente, e eu aqui em cima criando arte. Me vejo concentrada, logo que não ouço você fazer ruído algum. Desenhos e frases, efeitos e ideias a mil, dia 17 de abril. Quase em hipinose, pisco os olhos e lembro-me que está ficando tarde. Sei que há prazo para entregas, e entregar-me a ti tinha que ser naquela hora. Cabelo amarrado, celular na mão e blusa caída prum lado. Saio do meu mundo e olho no espelho. Vejo meu cabelo de uma cor estranha, meu jeitinho que, logo hoje, está cheio de manha; meus lábios desenhados pros teus. Sorriso simples. Antes de descer, simplesmente percebo que há pelo ar uma paz gigantesca que me abraça. Você está por perto e isso me causa um bem inexorável. Mesmo que calado, sentir tua presença pela casa é doçura feito mordida em pericarpo fresco. A chuva faz um barulho no teto que só agrava meu amor por aquele instante. Cheirando feito flor, desço a escada devagar. Tenho a visão dos teus olhos fixos no papel. Teu cabelo liso cai, tua mão apressada o puxa pra trás numa vã intenção de que não caia novamente. Ri dessa tua mania, em seguida parei na metade da escada. Passou-se um minuto e você nem me notou. Ri outra vez. Desço mais e chego perto de ti. Você, ainda olhando fixo pro papel, sorri assumidamente. Te abraço por trás, ponho os braços entrelaçados em teu peito e te beijo o rosto. Você se entrega devagar e vira. Olha nos meus olhos e me beija como quem o fazia pela primeira vez. Te digo uma piadinha boba, te vejo rindo frouxo. Você se entrega e diz que me esperava, que pensou que eu ia demorar. Faço outra piada e rimos juntos. Te abraço quase pendurada no teu pescoço e, enquanto meus dedos passeiam pelos teus cabelos, tua mão me agarra pela cintura. A chuva espanca o teto, talvez numa intenção exagerada de apagar nosso calor indevido. Como em cada quinta-feira, uma intenção diferente. Já beira a meia noite, mais um dia 18, mais um tempo que partilho com meu bem-querer. Tua barba me encanta como na primeira vez, teu cheiro me embriaga como nos antigos passeios, tua voz... Ah!... Não sei falar dela com dizeres que te façam entender o quanto gosto de ouvi-la. E uma vela apaga, uma nova chama se acende. Outro beijo intenso. Passo a mão no teu rosto, canto pra você. Sei que, mesmo depois de anos, as noites nos cabem muito bem. E essa, em especial, nos pertence por direito. Não há trabalho, parentes, compromissos, discussões ou moralismo que a tire de nós. A cada passo que dou para trás, confio um pouco mais em ti. Outro beijo, outros olhares, outras enésimas intensões e um descontrole inventado para nós. Não penso em outro gesto senão o agradecer-te por ser o que és, por me venerar tanto quanto o sol venera num fim de tarde o mar. Só suspiro por amar-te com pressa. Te vejo dono dos meus sorrisos mais bonitos. Sinto a pressa de quem um dia não mais te terá, e...
Num susto, pisco os olhos. Uma vontade doída... A casa ainda está vazia