segunda-feira, 9 de março de 2015

Casa vazia.

De repente imagino você lá em baixo trabalhando numa pesquisa que provavelmente me faria um nó na mente, e eu aqui em cima criando arte. Me vejo concentrada, logo que não ouço você fazer ruído algum. Desenhos e frases, efeitos e ideias a mil, dia 17 de abril. Quase em hipinose, pisco os olhos e lembro-me que está ficando tarde. Sei que há prazo para entregas, e entregar-me a ti tinha que ser naquela hora. Cabelo amarrado, celular na mão e blusa caída prum lado. Saio do meu mundo e olho no espelho. Vejo meu cabelo de uma cor estranha, meu jeitinho que, logo hoje, está cheio de manha; meus lábios desenhados pros teus. Sorriso simples. Antes de descer, simplesmente percebo que há pelo ar uma paz gigantesca que me abraça. Você está por perto e isso me causa um bem inexorável. Mesmo que calado, sentir tua presença pela casa é doçura feito mordida em pericarpo fresco. A chuva faz um barulho no teto que só agrava meu amor por aquele instante. Cheirando feito flor, desço a escada devagar. Tenho a visão dos teus olhos fixos no papel. Teu cabelo liso cai, tua mão apressada o puxa pra trás numa vã intenção de que não caia novamente. Ri dessa tua mania, em seguida parei na metade da escada. Passou-se um minuto e você nem me notou. Ri outra vez. Desço mais e chego perto de ti. Você, ainda olhando fixo pro papel, sorri assumidamente. Te abraço por trás, ponho os braços entrelaçados em teu peito e te beijo o rosto. Você se entrega devagar e vira. Olha nos meus olhos e me beija como quem o fazia pela primeira vez. Te digo uma piadinha boba, te vejo rindo frouxo. Você se entrega e diz que me esperava, que pensou que eu ia demorar. Faço outra piada e rimos juntos. Te abraço quase pendurada no teu pescoço e, enquanto meus dedos passeiam pelos teus cabelos, tua mão me agarra pela cintura. A chuva espanca o teto, talvez numa intenção exagerada de apagar nosso calor indevido. Como em cada quinta-feira, uma intenção diferente. Já beira a meia noite, mais um dia 18, mais um tempo que partilho com meu bem-querer. Tua barba me encanta como na primeira vez, teu cheiro me embriaga como nos antigos passeios, tua voz... Ah!... Não sei falar dela com dizeres que te façam entender o quanto gosto de ouvi-la. E uma vela apaga, uma nova chama se acende. Outro beijo intenso. Passo a mão no teu rosto, canto pra você. Sei que, mesmo depois de anos, as noites nos cabem muito bem. E essa, em especial, nos pertence por direito. Não há trabalho, parentes, compromissos, discussões ou moralismo que a tire de nós. A cada passo que dou para trás, confio um pouco mais em ti. Outro beijo, outros olhares, outras enésimas intensões e um descontrole inventado para nós. Não penso em outro gesto senão o agradecer-te por ser o que és, por me venerar tanto quanto o sol venera num fim de tarde o mar. Só suspiro por amar-te com pressa. Te vejo dono dos meus sorrisos mais bonitos. Sinto a pressa de quem um dia não mais te terá, e...
Num susto, pisco os olhos. Uma vontade doída... A casa ainda está vazia




sábado, 14 de junho de 2014

O menino e seu balão.

O menino herdara dos pais as mais longas discussões desamorosas, e em sua escola, ganhava em todos os dias as chacotas dos coleguinhas. Do prato de comida, o menos cheio; dos lápis de cor, os de ponta quebrada. Caretas e gestos obscenos lhe eram apresentados pelos adolescentes bobocas. Metiam-lhe terror com estórias assombradas. Lhe pisaram o pé na rua, cortaram o cerol da pipa que voava alto, recebeu um fora da garotinha mais bonita da rua. Fim de dia, sabor de erro inevitável, medo de repetições e uma breve lágrima de quem não aguenta os seus árduos 7 anos de vida dolorida. Mas no piscar dos olhos, pouco antes de dormir, ele infla o peito de singeleza. Lhe doía a dor de ser bondoso e da indisposição de revidar a raiva que o mundo lhe causava. Se essa fosse a dor necessária, mesmo que menino, fora homem para aceitar que conseguiria encarar ela e o amanhã. Talvez lhe acusassem de coisas bonitas, ou, quem sabe, lhe dariam um beijo de boa noite. Ele esperava em paz a paz prometida pelos pais. Calado e seguro de tanta coragem de ser o que lhe conviesse, ele passou a usar seu coraçãozinho batido com uma beleza sem igual. Amarrou-o numa corda, encheu-o de gás hélio e saiu por ai como sendo seu balão, porque ele sabia que esse rabisco não combinava com seu pulsar de esperança. E, mesmo assim, arriscou uma solução futura pro próprio coração: um dia ele sara com um abraço.    



sexta-feira, 30 de maio de 2014

Luta vã.

Como a vida nos foi dada, e não sentimos ainda o gosto da morte, nos acomodamos desde o nascer. O tempo parece infinito, mas não há como o ressarcir. É triste e estranho cair em si e notar que moram alegria e tristeza num mesmo lugar. Alegria pela percepção de que hoje é um dia a mais e, ao mesmo tempo, a tristeza de ter um a menos. A realidade, a casa (se a tiver), os amigos, as pessoas, as paisagens, as lembranças e credos... tudo é nosso até então. É de se amedrontar a hipótese infalível de que o tempo passará pelos olhos e não poderei (e nem posso) pisar no freio. É como um veículo com acelerador e nada além. A certeza invisível do ainda presente respirar, é a mesma que nos deixa empoeirar um pouco a cada instante. O relógio frenético e irredutível é quem rouba minha ilusão de ser tanto e sempre. Mesmo que os ponteiros dos segundos sejam vermelhos, nós ainda não o percebemos correr. E ele corre. Pudera ser tão esperançosa quanto a cor verde da moldura de meu relógio, mas não. Até para ele há o fim, e ele para sem avisar, sem se despedir. Igual e tanto, cópia fiel de nós. Nossas confusões nos atrasam, e nossa fé é o que carregamos até o fim, ou até amanhã, que pode também ser o fim. Escolha nossa é entre limpar a poeira ou deixar tudo como está, só para poder viver em outras horas, em outros tempos, em outras eras, porque um dia caberemos no "éras" e, mesmo que serenos, nada mais seremos. O relógio marca a nossa fuga eterna, nossa luta vã contra o fim. O que tu guarda no piscar dos olhos de agora? Lembre hoje. Estamos todos beirando o fim.

Foto do meu (antigo) relógio verde-esperança.

domingo, 13 de abril de 2014

Ave de rapina.

Ave de rapina olha pro céu com total concentração. Hoje ela não quer caçar, não quer devorar nada, quer passar longe de carne. Quase num jejum, hoje ela quis olhar para cima. Cada pena que encobre seu corpo, uma por uma sentiu o vento bater. Lá do alto, no pico do monte, onde a neblina vira roupa das rochas, onde as nuvens são palpáveis. Lá. Suas garras tão afiadas, certeiras, fincadas na pedra mais alta para não cair, faz um sinal com o bico, como quem calcula todo o espaço num segundo. Seus olhos veem tão longe, tão perfeitamente, como uma lupa, um zoom para captar suas futuras vítimas. Esses olhos se cansaram. Fecharam. Num impulso rápido, repentino, ainda de olhos fechados, ela se arrisca. Abre as asas. Voa! O céu não andava engarrafado, ela tinha a confiança plena de que a natureza não a derrubaria se os olhos estivesse baixos. Ela foi, o vento desenhou certeiro a aerodinâmica das asas planas, tranquilas, selvagens. Ela não era treinada, tampouco protegida. Voa sozinha. As pupilas amedrontadoras hoje soltaram uma lágrima singular, o vento forte a arrancou sem prenúncios. Ela não parou. Tomava velocidade, ia com força brutal para não sei onde. Mas ia. Voou, voou, voou, voou... As asas começaram a doer, mas ela não recuou. E voou. E pediu certamente para si mesma que não esquecesse dos ventos antigos, os que deram maiores impulsos. Relutante de tanto querer subir, foi pra onde o ar se perdia. Ela se perdeu por ai, mas num descuido triste lembrou que não tinha ninho, não tinha pra onde voltar, não sabia mais onde queria estar. E como de costume, continuou. Bico encurvado, olhos poderosos, garras afiadas, penas belas, asas fortes, sem piedade de si. Sem coração.



domingo, 23 de março de 2014

Sou passarinho.

Talvez eu desapareça. Quem sabe eu fuja por uma viela, passe dez anos convivendo com índios ou andando de trem. Talvez além: viva num barco à deriva. Mochila nas costas ou mala completa. Repleta de novidades, histórias e problemas. Apreciando restaurantes pequenos ou luxuosos hotéis. Se possível, voaria a trezentos mil pés. Faria um jardim de espatódeas e crisântemos que cresceriam enquanto viajasse. Quando na volta, vendo-as crescidas, talvez tire uma foto e mande como cartão-postal pra quem me ama. Diria que estaria bem e bocejaria uma saudade espremida. Talvez compre um mapa do tesouro e ponha um tênis pra dar mil passadas certeiras e chegar ao ouro. Ou quem sabe dirigir um carro acabadinho pela Europa. Dar uma passadinha na Ásia talvez. Pro caso de faltar dinheiro, vender meu cheiro e meus poemas em praça pública. Transcrever meus ditados pro grego e reviver uma Tragédia Grega, mas que no fim, pasme, não houvesse tristeza. Que beleza seria conhecer um punhado de amigos australianos, pedir emprestado um canguru e ir dentro da sua bolsa pruma praia . Que louco seria se lá houvesse uma festa me esperando, meus pais e meu amor dançando, felizes por me ver. Violas e um pandeiro agitado, fazendo sina com um cajón desafinado e criando um som louco em minha homenagem. Que viajem! E, depois dos balões e da comida, meu par com um microfone na mão, se tremendo de tanta solidão, cantasse pra me reconquistar. Falando de como a vida é triste sem eu estar por lá. E na minha cabeça passasse um filme de tudo que eu deixei sem pensar. Minha casa, meus vizinhos e meu lar. E no final ele viria sem medo, me daria uma abraço que me deixasse desesperada de tanto amor, sufocada com mil palavras que não sei dizer e, sem demora, vir um beijo a florescer. E no final de tudo eu olharia meu caminho, que em todo canto fez-se um ninho. Sou passarinho. Pensaria duas ou mais vezes e, já com saudades, diria adeus. Quem sabe saindo devagar, encontre mil motivos pra voltar, mas prefira ficar por ai. Por ai é meu lugar. Vou pra cá, na intenção de um dia voltar pra lá. Meu destino é ir. Ir sem reclamar.  




quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Depois das três.

O silêncio das incertezas do outro dia não me permitiam o sono. Caí nas armadilhas naturais dos olhos alheios. O relógio me lembrava o compasso do andado dela e me deixava doido, doído, mansamente machucado por não poder vê-la na madrugada. Ao mesmo tempo pensava em mim, no que eu seria logo que a noite fugisse e, bem menos preocupado, no que se daria até o fim do outro dia. Nem sequer valia estar com os olhos abertos, a cabeça barulhenta e esses segredos todos só para mim. Dava vontade de levantar e ir bater na praia, mas ao mesmo tempo não. Era um sentimento de tanto faz, uma extrema aceitação em ver a barba crescer, até porque ouvi dizer que adoram a barba; deixo ao menos um agrado aos nunca satisfeitos comigo. Olho pro relógio e a hora não passou. O segundo não chegou. Penso rápido demais. Deixo um pouco mais do que é meu por aqui. Deixo de me importar com o irredutível tic-tac que antes me atrapalhava. Agora só aguardo o próximo pensamente canalha, aquele que só posso ter quando estou em minha própria companhia. Espero só, pois me conheço e não me canso de mim. 



domingo, 19 de janeiro de 2014

Eu cresci part. 3 (o final e o recomeço)

Ler os textos 1 e 2 tornam este que segue bem mais legal.

"Decidi mudar, e foi épica a forma que escolhi para inverter essa situação."

Estava determinada a regressar e notar em que ponto havia errado. Os estudos acerca do Cristo me ajudaram a chegar certeira na falha que desencadeou aquela confusão toda. Era tão óbvio que ri ao concluir. Na verdade, muita gente chegou a esse momento em que deveria acertar as contas consigo, pensou no que eu pensei, encolheu os olhos como quem analisa algo em silêncio, passou a mão no queixo, mas depois pensou "Ah, nããão! Que besteira!". Tão, mais tão óbvio que até mesmo eu duvidei. Confesso, nem sabia o caminho de volta, mas percebi que deveria voltar.

 É, regressar. Diminuir. Voltar. Come back. Todos os derivados possíveis.

Não foi difícil lembrar o quão bom era a consciência que tinha aos 10 anos. Uma inocência que hoje invejo. Me invejo. Era tão prazerosa a sensação de agir naturalmente, que naturalmente não me dei conta disso. E passou. Como eu poderia resgatar meus olhos visionários? Seria muita ousadia minha ter que ser diferente dos outros. Mas o meu diferente era uma parada bem mais arriscada. No fim das contas me percebi sendo forçada aos moldes sociais, à uma vida social doentia e submetida ao uso de uma rede social para ser aceitável. Parando para analisar, era uma ideia super ridícula. Até mesmo nos dias mais independentes eu estava presa. Não dava para achar outra saída.Teria que ser natural outra vez.

Fechei os olhos quase espremendo-os. Franzi o nariz e coloquei a mão no peito. Me concentrei bem concentrada. Tinha acabado de topar uma jornada muito doida: a de me redescobrir. 

Foi nessa hora... Ah, essa hora! Sabe aquele barulho? Naquele instante ele gritou! Berrou! Cantou agudo e me balançou todinha mesmo. Era coisa de cinema. Era mais uma forma de provar que a vida não era simplesmente preta e branca. Tinha uma cor, uma parada que é única em cada pessoa. Era bem parecido com fogos de artifício. E depois ouvi pássaros. Dava pra notar o som que o vento tinha quando eles voavam. E do nada me vi como se fosse outra pessoa a me admirar. Eu, aos 5 anos no quintal da minha avó. Estava rodando e rodando, feliz porque adorava parar e ver o quintal girando sozinho. Era minha maior noia. Ficava rindo e rindo, quase caindo. Daí sentei na grama e olhei pro céu. Eu me vi ali, bem ali. Eu sentei comigo mesma, e em silêncio pedi: Me ensina a ser você de novo?

E eu pequena, tão de boa, sorri pra mim mesma. Um sorriso grande, sem reservas. Daí me lembrei o quanto adorava sorrir quando menor. E mais, por ver que eu era tão pequena, notei o que já não lembrava mais como fazer: A minha versão mais nova olhava para cima. Ela queria me ver e me admirava por ser grande. Ah se ela soubesse que era o seu reflexo ali sentada. 

Ela, com suas mãos miúdas, levantou minha mão direita. Olhou faceira para mim e perguntou com uma voz bem mais fina: "o que você tá sentindo?" Eu fiquei séria, e disse "nada". Ela me olhou com uma carinha de decepção e me disse quase com raiva "É o vento! Sente o vendo passar pelos dedos. Dá uma coisa legal na barriga". Daí me toquei de que era pra perceber o que para mim era valioso, mas deixava escorrer pelos meus dedos. Daí uma série de coisas. Cantei com ela. A voz dela me parecia tão mais verdadeira do que a que tenho hoje! Ela era mansa e não se preocupava com a hora. Ela se sujava e caia o tempo todo, mas isso era uma diversão a mais.

Passei um bom tempo recebendo os ensinamentos que só uma criança pode dar. Ela me fez notar o que era essencial. E pior, me mostrou que o tempo passa rápido demais. Já estava anoitecendo e ela teve que ir pra casa. A mãe tava chamando e ela foi chorosa. Doida para passar mais tempo comigo, que no caso, era ela mesma. Ou seja, ela se amava. Mesmo com o cabelo bagunçado e a roupa suja, ela adorava ficar em sua própria companhia. Quando não tinha amigos por perto, ela mesma se bastava em sua completude. Ela era tão e tanto, que me deixou admirada. Pasmem! Lembrei de quem eu era e como era bom ser. Ser, somente. 

Dava pra notar que quanto menor, maior. Ser criança não é sinônimo de infantilidade. Ledo engano. Ser criança é ser você de corpo e alma. Bem que aquele Cristo tinha razão! Eu adoraria que todos quisessem ser feito eu, mas já que não, que pelo menos cada um seja quem de fato é. Pasmem outra vez! Achei o remédio para a humanidade! Mas da mesma forma que aos 10 anos acontecia, mesmo que geniais, minhas ideias dificilmente seriam adotadas. Sequer ouvidas, na verdade. Quem ligaria pras ideias de uma pirralha?  

Bom, por enquanto ainda não me acho capaz de conduzir uma possível revolução vocacional acerca das atividades desse povo adulto, mas já me sinto capaz de conduzir a minha própria revolução. Um contágio eminente disso tudo pode acarretar consequências maravilhosas. Quero ser o ponto de luz que pode guiar qualquer indivíduo ao estágio máximo de ânsia pela vida. Pelo hoje. O que é deveras difícil ser você. Soa bem piegas, mas não dá pra negar. Esse é o xeque-mate da vida. O chefão é você mesmo. Aprender a se encarar é difícil demais, mas compensa. E olhe só, aprendi isso tudo comigo mesma. Na verdade tenho aprendido. E vou viver aprendendo. E vou voltar e voltar e voltar mil vezes o caminho. E vou ser feliz. E vou descobrir. E vou crescer. E vou morrer rindo. E vou acabar... sendo.

Mas por hoje, o que posso dizer é que... Eu cresci.